quinta-feira, 5 de abril de 2012

Evapora





Despejei naquela bacia transbordante de água meus sonhos,estava com os olhos fixos tentando entender o porquê daquilo tudo,já não era o bastante estar no meio de tanta tolice ainda tinha que arrancar de dentro aquilo que mais gostava? Sai andando até o parapeito da janela, estava escuro, o relógio marcava 15 para as duas da madrugada, olhei o céu estrelado, lua feiticeira, rua deserta.Me senti vazia, não conseguia mais achar graça naquilo que me estarrecia. Olhei em volta, enchi minha xícara vermelha de café, acendi meu último cigarro, "preciso dormir" pensei, e desde quando eu precisava dormir? O som estava ligado no volume 2, escutava-se apenas um chiado, resolvi aumentar pra ouvir o que se passava, uma gaita doce cortava o silêncio da sala imunda, olhei mais uma vez, resquícios de um passado inglório, perdido, consumido. A bacia de sonhos reluzia em cima da mesa, rostos apareciam e desapareciam, alguns desconhecidos me abanavam as mãos, pediam meu toque. Cocei meu olho, desliguei o som e deitei no sofá prestando atenção no teto descascado, formatos que antes eu sabia distinguir, agora não, apenas tinta descascada. Adormeci e um segundo depois acordei assustada, coração acelerado, já era dia e eu tinha que sair dali, a bacia tinha esvaziado metade daqueles sonhos que eu tanto quis reais em mim, uma hora tudo aquilo ia evaporar e sumir. O telefone tocou, "Você está estranha, lacônica", "Eu sei". O sol batia na mesa esquentando e fazendo diminuir aquele líquido grosso, cheiroso e tão amável, coisas bonitas se passavam ali. Faltava um dedo de qualquer coisa, no fundo eu ainda queria um pouco daquilo, pelo menos guardar aquele cheiro que infelizmente cairia no esquecimento. Corri para perto e enquanto via rapidamente a água de sonhos sumir me desesperava por de repente ter que reaprender a ser quem não sabia como ser, última gota, passo o dedo e lambo, você reaparece como se não quisesse sair de lá e preencho com a menor gota meu coração que estava pequeno e que agora começava a crer.

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